paulo de tarso.
O que se conhece acerca da vida de Paulo encontra-se somente em Atos e em seus escritos antigos, conforme preservados no Novo Testamento. Assim, muito pouco se conhece acerca de Paulo antes de seu aparecimento em Atos 7:58. Para se ter informação sobre seus primeiros anos, é necessário colher-se os poucos dados disponíveis do Novo Testamento e interpolar-se nestes dados o que se conhece acerca da época em que Paulo viveu, um rapaz judeu da diáspora que recebera treinamento rabínico em Jerusalém.
A palavra que Lucas usou para apresentar Paulo a seus leitores em Atos 7:58 pode referir-se a qualquer pessoa do sexo masculino de até quarenta anos de idade. Isto indicaria que Paulo nasceu próximo ao início da era cristã. O pai de Paulo, judeu da tribo de Benjamim (Fil. 3:5) e fariseu (At. 23:6), era cidadão romano que vivia no importante centro metropolitano de Tarso, na Cilícia, Ásia Menor. A cidade era um centro de educação, superado no tempo de Paulo somente por Atenas e Alexandria. Como seu pai era cidadão romano, Paulo herdou essa cidadania. Dentro do círculo da família, ele teria recebido suas primeiras instruções religiosas de seus pais e, um pouco mais tarde, teria freqüentado a escola da sinagoga local, como qualquer criança judia. Talvez ele também tenha freqüentado uma das muitas universidades de Tarso, para obter uma educação mais formal nos princípios de retórica, lógica e filosofia. Isto, contudo, é somente conjetura baseada na maneira pela qual Paulo demonstrou, em suas cartas, sua familiaridade com a argumentação filosófica vigente. Ele tinha dois nomes dados, um em latim (Paulus), que denotaria sua cidadania legal romana, e o outro em hebraico (Saulo), que seria usado na família e nos círculos judaicos. O nome em grego é uma transliteração do nome latino, e não uma tradução do nome hebraico. Dos irmãos e irmãs de Paulo, sabe-se somente que ele tinha uma irmã morando em Jerusalém na ocasião de sua prisão lá (At. 23:16).
Em certa época, nos anos iniciais de Paulo, ele foi enviado a Jerusalém para estudar a lei rabínica, sob a orientação do bem conhecido Mestre Gamaliel (At. 22:3). Pareceria que Paulo estava em Jerusalém durante o ministério ativo e a ocasião da morte de Jesus. Contudo, Paulo não dá certeza se viu Jesus nos dias em que esteve em carne (II Cor. 5:16). Houve muita discussão acerca de se Paulo foi casado alguma vez. Pelo fato de que era necessário um rabi ser casado e era uma vergonha um adulto não ser casado, é mais provável que Paulo fora casado. Contudo, porque não há nenhuma referência em suas cartas acerca de uma esposa, é lógico pressupor-se que ela morrera antes da perseguição ativa, de Paulo, da igreja, conforme registrado em Atos 8. Alguns interpretaram as palavras de Paulo em Atos 26:10 “...dei o meu voto contra eles quando os matavam” — como significando que Paulo fora um membro do Sinédrio. Estas palavras dificilmente significam nada mais que Paulo concordava com o julgamento do conselho. Um “mancebo” (At. 7:58) dificilmente pertenceria a um conselho de “anciãos” (At. 5:21). Em nenhuma parte, em suas cartas, Paulo sugere que tenha sido membro da corte suprema judaica. Atos 9:1,2 e 22:5 apresentam Paulo como sendo mais um funcionário que membro do Sinédrio.
Em Atos, Paulo aparece pela primeira vez na ocasião da morte de Estevão. Foi o zelo farisaico de Paulo pelas “tradições dos pais” que o levou a um conflito severo com os seguidores de Jesus (Fil. 3:5-9). Ele era um dos líderes, e, provavelmente, o mais ardoroso, na perseguição inicial da igreja pelos líderes religiosos judeus. Quando os crentes fugiram de Jerusalém, Paulo pediu e recebeu permissão do sumo sacerdote para procurar e prender os cristãos que ele esperava encontrar em Damasco (At. 9:1,2). Como fariseu leal e consciencioso, Paulo realmente pensava que estivesse fazendo a Deus um serviço ao tentar destruir a nova seita blasfema (At. 22:3; 26:9; ver João 16:2, onde Jesus havia predito tal ação).
A conversão de Paulo na estrada para Damasco deve ter sido vista por Lucas como um dos mais importantes acontecimentos do cristianismo primitivo. Há três narrativas deste evento em Atos: uma narrada por Lucas (9:3-19) e duas por Paulo (22:6-16; 26:12-18). Embora haja algumas variações em cada uma das narrativas, estas podem ser explicadas pelo propósito de cada narrativa e a audiência para a qual cada uma foi pretendida. O elemento importante é que a experiência na estrada de Damasco transformou Paulo de um perseguidor fanático da igreja em seu mais ardente e capaz defensor e propagador.
De Gálatas (1:17,18) sabe-se que Paulo passou algum tempo em Damasco, foi para a Arábia e retornou a Jerusalém depois de três anos. Ele foi recebido com suspeita pelos irmãos de Jerusalém, até que Barnabé o aceitou e apresentou aos apóstolos (At. 9:26,27). Uma trama dos judeus helenizantes contra sua vida fez a igreja persuadi-lo a deixar Jerusalém. Ele assim o fez, e foi para sua cidade de Tarso (At. 9:28-30). Dos anos passados em Tarso nada se sabe. Possivelmente uns dez anos foram passados lá. Esses anos são chamados os "anos de silêncio" do ministério de Paulo.
Lucas registra que Barnabé, enviado pela igreja em Jerusalém a Antioquia da Síria, foi a Tarso para obter a ajuda de Paulo em seu trabalho entre os gentios de Antioquia (At. 11:25). Atos 11:27-30 também registra uma “visita na época da fome” a Jerusalém por Paulo e Barnabé, que não é mencionada em mais nenhuma parte no Novo Testamento. Os anos de fome ocorreram nos dias de Cláudio César (41:54 d.C.) e por volta da época da morte de Herodes Agripa I (44 d.C). Há vários problemas críticos sobre a harmonização de Atos 11-12 com Gálatas 2, mas estes serão discutidos no capítulo sobre Gálatas. Neste ponto pressupõe-se que Gálatas 2 se refere à viagem de Paulo a Jerusalém, conforme apresentada em Atos 15.
Depois de terem retornado de Antioquia, Paulo e Barnabé foram enviados para fazerem o que é Comumente chamado a “Primeira Viagem Missionária” (At. 13:1-14:28). Esta viagem de fundação de igrejas foi limitada à Ilha de Chipre e às regiões da Ásia Menor sul-central, conhecidas como Panfília, Pisídia, Licaônia e Lícia. Isto foi identificado por W. Ramsay, como parte da província romana da Galácia. Ao retornarem a Antioquia, para relatar sobre seu trabalho, Atos expõe o problema que os levou à Jerusalém, conforme Atos 15. Este mesmo acontecimento é apresentado em Gálatas 2:1 como tendo acontecido quatorze anos após a saída apressada de Paulo daquela cidade, para Tarso. Atos 15 e Gálatas têm tantos dados em comum que pouca dúvida pode haver de as duas passagens se referirem à mesma ocorrência. Supondo-se que as referências de Paulo são das viagens que ele fez a Jerusalém, para consultar os apóstolos lá, na ocasião, é mais provável que a visita de Atos 11-12 não foi mencionada em Gálatas. Tendo obtido a aprovação da igreja em Jerusalém, sobre seu trabalho entre os gentios Paulo e Barnabé retornaram a Antioquia e passaram mais algum tempo lá (At. 15:35). Este escritor crê que foi durante sua estadia em Antioquia antes da Segunda Viagem Missionária que Paulo escreveu a Epístola aos Gálatas. Outra vez, a data da escrita de Gálatas será discutida no capítulo sobre esse livro.
Na Segunda Viagem Missionária (At. 15:36-18:22), Paulo e Silas visitaram as igrejas anteriormente estabelecidas e viajaram para Trôade. Impedidos, pelo Espírito Santo, de evangelizarem mais na Ásia Menor, eles atravessaram para a Europa e fundaram igrejas na Macedônia e em Acaia. Quando esteve em Corinto (Acaia), Paulo entrou em contato com Priscila e Áqüila, judeus cristãos que haviam recentemente sido expulsos de Roma por Cláudio. O edito de expulsão foi ordenado no nono ano do reinado de Cláudio (cerca de 49 d.C). Foi de Corinto que Paulo escreveu as duas cartas à igreja de Tessalônica (na Macedônia). Depois de dezoito meses em Corinto, Paulo foi acusado por judeus descrentes perante Gálio, o novo procônsul romano. Gálio chegou a Corinto por volta de 51 d.C, para assumir suas funções. Paulo foi inocentado das acusações trazidas contra ele e, após passar um pouco mais de tempo em Corinto, viajou, via Éfeso e Jerusalém, para Antioquia da Síria, chegando na primavera de 52 d.C.
A narrativa da Terceira Viagem Missionária é transferida quase que inteiramente para o ministério de três anos de Paulo em Éfeso (At. 19). Quando em Éfeso, Paulo escreveu pelo menos três cartas à igreja em Corinto: uma carta perdida (referida em I Cor. 5:9), a I Coríntios canônica, e uma carta “angustiosa” (referida em II Cor. 2:4; 7:8). De II Coríntios (12:14; 13:1), sabe-se que Paulo fez uma rápida visita a Corinto e voltou a Éfeso. Deixando Éfeso após o tumulto, Paulo foi para Trôade e depois para a Macedônia. Lá ele escreveu II Coríntios. prosseguindo para Corinto, Paulo escreveu Romanos, na antecipação de visitar Roma em seu caminho para a Espanha, depois de levar uma oferta aos santos pobres de Jerusalém (Rom. 15:22-28). A Epístola aos Romanos teria sido escrita durante o inverno de 55-56 d.C.
Em Jerusalém, Paulo foi preso e, a fim de salvar sua vida, foi enviado ao procurador Romano em Cesaréia (At. 23:12-35). Em Cesaréia, ele foi julgado perante Félix, o procurador de cerca de 51-57 d.C. A datação da procuradoria de Félix é um dos itens mais indefiníveis nos estudos do Novo Testamento. Isto foi tratado no capítulo anterior, sobre Atos. Supõe-se, nesse livro, que Félix foi chamado de volta por Nero em 57 d.C, e Festo tomou seu lugar naquele ano. Atos 24:27 afirma que Félix manteve Paulo em prisão domiciliar por dois anos. Seguindo-se à chegada de Festo, tais eram as circunstâncias, que Paulo alegando a prerrogativa de cidadão romano, apelou para a corte de César. No outono de 57 d.C, a perigosa viagem de inverno até Roma se iniciou, chegando-se lá após grande apuro na primavera de 58 d.C. (At. 27:1-28:14). Lucas não relata em Atos o resultado do julgamento perante Nero, mas ele dá a entender que, após dois anos de confinamento, Paulo foi posto em liberdade (At. 28:30), por volta do ano 60 d.C. Durante os dois anos em Roma, Paulo escreveu as Epístolas da prisão: Filemom, Colossenses, Efésios e Filipenses.
Com o encerramento de Atos, qualquer história de maior atividade de Paulo deve vir ou de seus escritos ou dos pais antigos da Igreja. Clemente de Roma (por volta de 96 d.C.) escreveu que Paulo foi solto e pregou até "as extremidades do Ocidente". Para um romano, isto só poderia significar Espanha, a Península Ibérica. Das Epístolas Pastorais, sabe-se que Paulo voltou para o Oriente, passando por Creta, Éfeso, Trôade e Macedônia, mas não, necessariamente, nessa ordem. Provavelmente, da Macedônia ele escreveu I Timóteo, tendo enviado Timóteo anteriormente a Éfeso. Ou da Macedônia ou de Corinto, Paulo escreveu a Epístola a Tito, que ele havia deixado em Creta. Dos historiadores romanos, sabe-se que, em 19 de julho de 64, Roma foi incendiada, e, para transferir a suspeita de sua pessoa, Nero pôs a culpa nos cristãos. Porque Paulo, um notável líder da Igreja, havia sido julgado uma vez perante Nero, pensa-se que Nero ordenou sua prisão e retorno a Roma, para julgamento. Foi durante este segundo aprisionamento em Roma que II Timóteo foi escrita. Uma tradição antiga afirma que Paulo foi martirizado durante o ano do incêndio de Roma. A evidência para esta tradição é mais forte que a sugestão de Paulo e Pedro, ambos, terem sido mortos no ano da morte de Nero (68 d.C.). Portanto, Paulo foi decapitado pelas autoridades romanas (conforme se supõe em 29 de junho de 65.
Deve ser reconhecido que, por causa de dados conflitantes entre os historiadores antigos e o uso de pelo menos três sistemas de calendários diferentes, a maior parte das datas é, no máximo, só aproximada. As de precisão razoável são: a morte de Herodes Agripa I (44 d.C), o decreto de Cláudio, expulsando os judeus de Roma (49 d.C), a designa¬ção de Gálio (51 d.C), o incêndio de Roma (64 d.C), e a morte de Nero (9 de junho de 68). Mediante estas datas, uma história razoavelmente precisa da vida de Paulo pode ser construída:
A.D.1 ......................... Nascimento
33-34 ......................... Conversão
45 .................................. Visita a Jerusalém pela época da fome
46-48 ............................. Primeira Viagem Missionária
49.................................. Conferência de Jerusalém (dezessete anos após sua conversão)
49-52............................. Segunda Viagem Missionária
52-56............................. Terceira Viagem Missionária
56-57............................. Prisão em Jerusalém e dois anos na prisão em Cesaréia
57-58............................. Viagem a Roma
58-60............................. Primeiro aprisionamento em Roma
60-64............................. Viagem a Espanha, Creta, Macedônia e Acaia
64-65............................. Prisão, segundo aprisionamento em Roma e morte